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sábado, 11 de maio de 2013


sobre Caetano Veloso
ENTREVISTA
Anco Márcio fala sobre os neologismos de Caetano
Leia abaixo a entrevista completa com Anco Márcio, professor de Letras da UFPE, sobre os neologismos e a inventividade de Caetano Veloso
Publicado em 02/12/2012, às 06h12
Renato Contente
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JC - Qual a importância da audácia artística de (re)criar palavras e reinventar a língua portuguesa dentro da MPB? - esta que é uma instituição extremamente tradicional, ainda que tão ampla, marcada por composições linguisticamente sóbrias.

ANCO MÁRCIO - É importante observar que esse reinventar da língua na nossa música está restrita a alguns compositores, particularmente aqueles que surgiram nos anos 1960, influenciados pela literatura mais transgressora — a exemplo de Guimarães Rosa — e das vanguardas da época: Concretismo, Poesia-Praxis e Poesia Processo. Não só: muito desses compositores que buscam criar neologismos em nossa música se inscrevem no Movimento Tropicalista: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Capinam, Jads Macalé etc. No entanto, não podemos esquecer que já nos anos 1920 nós tínhamos compositores, a exemplo de Noel Rosa, Ismael Silva, Lamartine Babo e Nelson Ferreira, que se não fazem uso do neologismo, levaram, por sua vez, a crônica cotidiana e a coloquialidade à música brasileira. Ou seja, saem aquelas letras de viés romântico, de vocabulário muitas vezes pomposo, e entra o português da rua, pedestre. Isso mostra que aqueles compositores não só renovaram a linguagem da música brasileira, mas também a sua sintaxe, em perfeita sintonia com a renovação porque passava a literatura brasileira da época.

JC - Em que medida os neologismos de Caetano oxigenam a língua portuguesa?
AC - Na medida em que ele não nasce como um mero maneirismo (o neologismo pelo neologismo), mas como uma tentativa de traduzir uma dada realidade que as palavras existentes na língua não dão conta de tal empreitada. Por exemplo, “caetanear” (referência ao neologismo usado por Djavan na canção Sina, de sua autoria), como sinonímia de ver o mundo a partir da ótica e do universo criado pelo compositor. E entre os signos que formam este universo, temos a palavra “odara”, que apesar de ser uma palavra de origem hindu, que quer dizer paz, tranquilidade, traduzia muito bem o espírito da época e a mensagem que Caetano queria passar naquele momento de desbunde. Ou seja, a “paz” e a “tranquilidade” evocada pela palavra hindu termina por ser alargada na língua portuguesa, pois odara vai muito além de ser apenas um estado de paz e de tranquilidade. Aqui, odara termina por encerrar um estado do ser, de se colocar e de ver o mundo, de quase transcendência com o modo de vida da sociedade burguesa, citadina e industrial. Não podemos esquecer também que uma palavra nova ou um neologismo em uma letra de música tem uma força e uma propagação que muitas vezes ela não tem na literatura. Seja porque a música atinge muito mais pessoas do que a literatura (no caso do Brasil), seja porque a palavra vem envolta em uma melodia, que facilita a nossa memorização.

JC - A criação de neologismos funciona como uma transgressão artística ou tem outra função poética?
AC - Depende de cada caso. Por exemplo, a palavra “batmacumba”, criada por Gilberto Gil, é mais do que um neologismo, é quase que um manifesto do próprio Tropicalismo. Pois ela junta tanto uma manifestação estética-religiosa brasileira — a macumba — com um personagem de quadrinhos, que é o Batman; o Pop internacional com o popular brasileiro. Essa era uma linha programática do Tropicalismo, na esteira do Manifesto antropofágico de Oswald de Andrade, deglutir a produção estrangeira a partir dos nossos próprios signos culturais. Se valendo da estética concretista, a letra de Gil constrói e desconstrói a palavra “batmacumba”. Assim, ele usa a palavra “bat” em dois sentidos. Um, é o de morcego, daí ele juntar a palavra “bat” com a palavra “batma” (das primeiras duas letras da palavra “macumba”); outro, é o de batida, a batida dos tambores nos rituais de macumba. A palavra “bat” como som e como gesto de bater. Por fim, tanto as batidas dos tambores quanto os morcegos são filhos da noite.

JC - Quais as principais características (artifícios de linguagem) da estética de Caetano e como elas se configuram em sua obra?
AC - Parece-me que o principal artifício de linguagem dos seus neologismos é que eles devem parte da sua força à melodia da música. A palavra “caetanear” vem reforçada por outras palavras como “luar”, “estrelar”, “lapidar” que formam assonância verbais e, por sua vez, reforçam o ritmo da música e o toque da guitarra. Talvez o verso em si não seja tão bom, mas ele ganha uma força maior devido à melodia e ao ritmo. Este é um ponto importante em versos feitos para música: os sons e os ritmos do poema estão subordinados à melodia e ao ritmo da música, enquanto em um poema os sons e os ritmos possuem autonomias próprias.

JC - Como se dá o ponto de intercessão entre a complexidade poética das letras e a sua suavidade musical? Como isso pode reverberar na recepção que o público, de uma maneira geral, tem da obra de Caetano?
AC - Creio que a letra e a música são interdependentes: uma leva a outra, uma reforça a mensagem da outra. Pense na música Odara. Se você ficar apenas na letra, sua força poética, a força da mensagem, se perde. No entanto, a música provoca um relaxamento, um estado de alma que se desprende do mundo cotidiano. É a música que nos leva ao estado de espírito odara, e não o inverso. Daí que pensar “eu estou odara hoje” é o mesmo que imaginar estar naquele estado “zen” que a música de Caetano nos proporciona.

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