Deixem seus comentários, obrigado!

Deixem seus comentários, obrigado!

sábado, 20 de abril de 2013


ABC do
Nordeste Flagelado
   

Patativa do AssaréFoto:Luiz Edmundo Alves
A — Ai, como é duro viver  nos Estados do Nordeste  quando o nosso Pai Celeste  não manda a nuvem chover.  É bem triste a gente ver  findar o mês de janeiro  depois findar fevereiro e março também passar,  sem o inverno começar no Nordeste brasileiro.
 

B — Berra o gado impaciente reclamando o verde pasto,  desfigurado e arrasto,  com o olhar de penitente; o fazendeiro, descrente,  um jeito não pode dar,  o sol ardente a queimar e o vento forte soprando,  a gente fica pensando que o mundo vai se acabar.
 

C — Caminhando pelo espaço,  como os trapos de um lençol,  pras bandas do pôr do sol,  as nuvens vão em fracasso: aqui e ali um pedaço vagando... sempre vagando,  quem estiver reparando faz logo a comparação de umas pastas de algodão que o vento vai carregando.
 

D — De manhã, bem de manhã,  vem da montanha um agouro de gargalhada e de choro da feia e triste cauã: um bando de ribançã pelo espaço a se perder,  pra de fome não morrer,  vai atrás de outro lugar,  e ali só há de voltar,  um dia, quando chover.
 

E — Em tudo se vê mudança quem repara vê até que o camaleão que é  verde da cor da esperança,  com o flagelo que avança,  muda logo de feição.   O verde camaleão  perde a sua cor bonita  fica de forma esquisita  que causa admiração.
 

F — Foge o prazer da floresta  o bonito sabiá,  quando flagelo não há  cantando se manifesta. Durante o inverno faz festa  gorjeando por esporte,  mas não chovendo é sem sorte,  fica sem graça e calado  o cantor mais afamado  dos passarinhos do norte.
 

G — Geme de dor, se aquebranta  e dali desaparece,  o sabiá só parece  que com a seca se encanta.   Se outro pássaro canta,  o coitado não responde;  ele vai não sei pra onde,  pois quando o inverno não vem  com o desgosto que tem  o pobrezinho se esconde.
 

H — Horroroso, feio e mau  de lá de dentro das grotas,  manda suas feias notas  o tristonho bacurau. Canta o João corta-pau  o seu poema funério,  é muito triste o mistério  de uma seca no sertão;  a gente tem impressão que o mundo é um cemitério.
 

I — Ilusão, prazer, amor,  a gente sente fugir,  tudo parece carpir tristeza, saudade e dor.   Nas horas de mais calor,  se escuta pra todo lado  o toque desafinado  da gaita da seriema  acompanhando o cinema  no Nordeste flagelado.
 

J — Já falei sobre a desgraça  dos animais do Nordeste;  com a seca vem a peste  e a vida fica sem graça.   Quanto mais dia se passa  mais a dor se multiplica;  a mata que já foi rica,  de tristeza geme e chora.   Preciso dizer agora  o povo como é que fica.
 

L — Lamento desconsolado  o coitado camponês  porque tanto esforço fez,  mas não lucrou seu roçado.   Num banco velho, sentado,  olhando o filho inocente  e a mulher bem paciente,  cozinha lá no fogão  o derradeiro feijão  que ele guardou pra semente.
 

M — Minha boa companheira,  diz ele, vamos embora,  e depressa, sem demora  vende a sua cartucheira.   Vende a faca, a roçadeira,  machado, foice e facão;  vende a pobre habitação,  galinha, cabra e suíno  e viajam sem destino  em cima de um caminhão.
 

N — Naquele duro transporte  sai aquela pobre gente,  agüentando paciente o rigor da triste sorte.   Levando a saudade forte  de seu povo e seu lugar,  sem um nem outro falar,  vão pensando em sua vida,  deixando a terra querida,  para nunca mais voltar.
 

O — Outro tem opinião  de deixar mãe, deixar pai,  porém para o Sul não vai,  procura outra direção.   Vai bater no Maranhão  onde nunca falta inverno;  outro com grande consterno  deixa o casebre e a mobília  e leva a sua família  pra construção do governo.
 

P - Porém lá na construção,  o seu viver é grosseiro  trabalhando o dia inteiro  de picareta na mão. Pra sua manutenção  chegando dia marcado  em vez do seu ordenado  dentro da repartição,  recebe triste ração,  farinha e feijão furado.
 

Q — Quem quer ver o sofrimento,  quando há seca no sertão,  procura uma construção  e entra no fornecimento. Pois, dentro dele o alimento  que o pobre tem a comer,  a barriga pode encher,  porém falta a substância,  e com esta circunstância,  começa o povo a morrer.
 

R — Raquítica, pálida e doente fica a pobre criatura e a boca da sepultura  vai engolindo o inocente.   Meu Jesus!  Meu Pai Clemente,  que da humanidade é dono,  desça de seu alto trono,  da sua corte celeste  e venha ver seu Nordeste  como ele está no abandono.
 

S — Sofre o casado e o solteiro  sofre o velho, sofre o moço,  não tem janta, nem almoço,  não tem roupa nem dinheiro.   Também sofre o fazendeiro  que de rico perde o nome,  o desgosto lhe consome,  vendo o urubu esfomeado,  puxando a pele do gado  que morreu de sede e fome.
 

T — Tudo sofre e não resiste  este fardo tão pesado,  no Nordeste flagelado  em tudo a tristeza existe.   Mas a tristeza mais triste  que faz tudo entristecer,  é a mãe chorosa, a gemer,  lágrimas dos olhos correndo,  vendo seu filho dizendo:  mamãe, eu quero morrer!
 

U — Um é ver, outro é contar  quem for reparar de perto  aquele mundo deserto,  dá vontade de chorar. Ali só fica a teimar  o juazeiro copado,  o resto é tudo pelado  da chapada ao tabuleiro  onde o famoso vaqueiro  cantava tangendo o gado.
 

V — Vivendo em grande maltrato,  a abelha zumbindo voa,  sem direção, sempre à toa,  por causa do desacato.  À procura de um regato,  de um jardim ou de um pomar  sem um momento parar,  vagando constantemente,  sem encontrar, a inocente,  uma flor para pousar.
 

X — Xexéu, pássaro que mora  na grande árvore copada,  vendo a floresta arrasada,  bate as asas, vai embora.   Somente o saguim demora,  pulando a fazer careta;  na mata tingida e preta,  tudo é aflição e pranto;  só por milagre de um santo,  se encontra uma borboleta.
 

Z — Zangado contra o sertão  dardeja o sol inclemente,  cada dia mais ardente  tostando a face do chão.   E, mostrando compaixão  lá do infinito estrelado,  pura, limpa, sem pecado  de noite a lua derrama  um banho de luz no drama  do Nordeste flagelado.
 

Posso dizer que cantei  aquilo que observei;  tenho certeza que dei  aprovada relação. Tudo é tristeza e amargura,  indigência e desventura.  — Veja, leitor, quanto é dura  a seca no meu sertão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário