Alguns anos vivi em Itabira.Principalmente nasci em Itabira.Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.Noventa por cento de ferro nas calçadas.Oitenta por cento de ferro nas almas.E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,é doce herança itabirana.De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;este orgulho, esta cabeça baixa...Tive ouro, tive gado, tive fazendas.Hoje sou funcionário público.Itabira é apenas uma fotografia na parede.Mas como dói!Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco.Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.És todo certeza, já não sabes sofrer.E nada esperas de teus amigos.Pouco importa venha velhice, que é a velhice?Teus ombros suportam o mundoe ele não pesa mais que a mão de uma criança.As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifíciosprovam apenas que a vida prosseguee nem todos se libertaram ainda.Alguns, achando bárbaro o espetáculo,prefeririam (os delicados) morrer.Chegou um tempo em que não adianta morrer.Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.A vida apenas, sem mistificação.Preso à minha classe e a algumas roupas,vou de branco pela rua cinzenta.Melancolias, mercadorias, espreitam-me.Devo seguir até o enjoo?Posso, sem armas, revoltar-me?Olhos sujos no relógio da torre:Não, o tempo não chegou de completa justiça.O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.Em vão me tento explicar, os muros são surdos.Sob a pele das palavras há cifras e códigos.O sol consola os doentes e não os renova.As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.Vomitar este tédio sobre a cidade.Quarenta anos e nenhum problemaresolvido, sequer colocado.Nenhuma carta escrita nem recebida.Todos os homens voltam pra casa.Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.Crimes da terra, como perdoá-los?Tomei parte em muitos, outros escondi.Alguns achei belos, foram publicados.Crimes suaves, que ajudam a viver.Ração diária de erro, distribuída em casa.Os ferozes padeiros do mal.Os ferozes leiteiros do mal.Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.Ao menino de 1918 chamavam anarquista.Porém meu ódio é o melhor de mim.Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.Uma flor nasceu na rua!Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.Sua cor não se percebe.Suas pétalas não se abrem.Seu nome não está nos livros.É feia. Mas é realmente uma flor.Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tardee lentamente passo a mão nessa forma insegura.Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,onde as formas e as ações não enceram nenhum exemplo.Praticas laboriosamente os gestos universais,sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronzeou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerrae sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquinae te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.Caminhas por entre os mortos e com eles conversassobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.A literatura estragou tuas melhores horas de amor.Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrotae adiar para outro século a felicidade coletiva.Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuiçãoporque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vida e olho meus companheirosEstão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles, considere a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente.João amava Teresa que amava Raimundoque amava Maria que amava Joaquim que amava Lilique não amava ninguém.João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandesque não tinha entrado na história.Quando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.As casas espiam os homensque correm atrás de mulheres.A tarde talvez fosse azul,não houvesse tantos desejos.O bonde passa cheio de pernas:pernas brancas pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus,pergunta meu coração.Porém meus olhosnão perguntam nada.O homem atrás do bigodeé sério, simples e forte.Quase não conversa.Tem poucos, raros amigoso homem atrás dos óculos e do bigode.Meu Deus, por que me abandonastese sabias que eu não era Deus,se sabias que eu era fraco.Mundo mundo vasto mundose eu me chamasse Raimundoseria uma rima, não seria uma solução.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto é meu coração.Eu não devia te dizermas essa luamas esse conhaquebotam a gente comovido como o diabo.
Nosso blog tem por objetivo propiciar um espaço de estudo, interação e discussão de ideias. Apresentaremos aqui um complemento às aulas de Língua Portuguesa por nós ministradas na E. E. Carlos Gomes. O blog pode ser visitado por qualquer pessoa que queira conhecê-lo, pelos colegas professores, pelos pais de alunos e principalmente pelos estudantes. Apresentaremos dicas, links, textos, listas de exercícios e outras informações que considerarmos pertinentes. Sejam todos muito bem-vindos.
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quarta-feira, 17 de abril de 2013
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